12 de maio de 2007

As crianças, esses seres perigosos ...

(foto da net)
Estava Miguel Sousa Tavares na TVI a comentar a nova Lei do Tabaco quando da sua boca saltou esta pérola:

"o fumo nos restaurantes, que o Governo quer limitar, incomoda muitíssimo menos do que o barulho das crianças - e a estas não há quem lhes corte o pio."

Que bela comparação.
Afinal, o que é uma nuvenzinha de nicotina ao pé de um miúdo de goela aberta?
Vai daí, para justificar a fineza do seu raciocínio, Sousa Tavares avançou para uma confissão pessoal:

"Tive a sorte de os meus pais só me levarem a um restaurante quando tinha 13 anos."

Há umas décadas, era mais ou menos a idade em que o pai levava o menino ao prostíbulo para perder a virgindade.
O Miguel teve uma educação moderna - aos 13 anos, levaram-no pela primeira vez a comer fora.
Senti-me tocado e fiz uma revisão de vida.
É que eu sou daqueles que levam os filhos aos restaurantes.
Mais do que isso. Sou daquela classe que Miguel Sousa Tavares considerou a mais ameaçadora e aberrante: os que levam "até bebés de carrinho!"
A minha filha de três anos já infectou estabelecimentos um pouco por todo o país, e o meu filho de 14 meses babou-se por cima de duas ou três toalhas respeitáveis.
É certo que eles não pertencem à categoria CSI (Criancinhas Simplesmente Insuportáveis), já que assim de repente não me parece que tenham por hábito exibir a glote cada vez que comem fora - mas, também, quem é que acredita nas palavras de um pai?
E depois, há todo aquele vasto campo de imponderáveis: antes de os termos, estamos certos de que vão ser CEE (Crianças Exemplarmente Educadas), mas depois saltam cá para fora, começam a crescer e percebemos com tristeza que vêm munidos devontade própria, que nem sempre somos capazes de controlar.
O que fazer, então?
Mantê-los fechados em casa?
Acorrentá-los a uma perna do sofá?
É uma hipótese, mas mesmo essa é só para quem pode.
Na verdade, do alto da sua burguesia endinheirada, e sem certamente se aperceber disso, Miguel Sousa Tavares produziu o comentário mais snobe do ano.
Porque, das duas uma, ou os seus pais estiveram 13 anos sem comer fora, num admirável sacrifício pelo bem-estar do próximo, ou então tinham alguém em casa ou na família para lhes tomar conta dos filhinhos quando saíam para a patuscada.
E isso, caro Miguel, não é boa educação - é privilégio de classe.
Muita gente leva consigo a prole para um restaurante porque, para além do desejo de estar em família, pura e simplesmente não tem ninguém que cuide dos filhos enquanto palita os dentes.
Avós à mão e boas empregadas não calham a todos.
A não ser que, em nome do supremo amor às boas maneiras, se faça como os paizinhos da pequena Madeleine: deixá-la em casa a dormir com os irmãos, que é para não incomodar o jantar.

João Miguel Tavares
Jornalista

8 comentários:

cereja disse...

Olha Saltapocinhas, não é a primeira nem a segunda vez que acontece «roubares-me» um post ) Dantes isto só me acontecia com a Isabel Faria mas afinal começa a tornar-se um hábito contigo também!!! Estive quase para fazer um copy/paste do que tinha em rascunho e pespegá-lo aqui, mas se calhar o meu continua em rascunho para mais tarde, porque nunca é demais bater-se neste idiota!
Chamaram-lhe snob, que é também mais ou menos o que eu dizia. Insuportavelmente snob! Que há crianças mal-educadas, é um facto que nem se discute, se calhar o filho dele também. Que os pais devessem ser chamados à atenção contra um excesso de permissividade que dá origem a algumas cenas mais desagradáveis em público, é óbvio. Agora a arrogância com que o MST fala sobre isso, sobre o seu direito ao sossego como se fosse um direito constitucional, varrendo de um modo obscenamente superior tudo o que o possa incomodar, é de apetecer largar à chapada!
O que tem a ver o pé com a bota? Sua Excia quer fumar, quer fumar em restaurantes, acha-se no direito de atirar com o fumo que inalou para os pulmões de quem come ao seu lado, mas incomoda-se que os seus ouvidos sejam feridos com o barulho de uma criança malcriada, portanto compara duas coisas incomparáveis. Os cientistas estão de acordo que o fumador passivo é uma vítima de quem fuma ao seu lado. Não sou nada fundamentalista nesse campo, aceito bem que os meus amigos fumem e alguns até fumam muito. Parece-me um exagero essa proibição de fumar em bares, por exemplo. Mas a verdade é que se tem restringido os locais de fumo, desde os cinemas (sim, sim, fumava-se nos cinemas dantes!) aos transportes públicos, aviões, e agora caminha-se para que nos locais públicos fechados existam cantinhos de fumadores de modo a evitar que os que o não são apanhem com o fumo em cima. Discutível? Vamos ver…
E vamos então comparar uma criança a um cigarro? Incomoda quando «faz barulho». Sem a menor dúvida, mas uma criança a chorar faz alguma lesão? Provoca o cancro? Imagino que as educadoras de creche devam beneficiar de subsídio de risco por trabalhar em locais tão poluídos.
Irritou-me muito a arrogância com que foram produzidas aquelas afirmações. Uma coisa é a educação que se deva dar a uma criança, e aí se ele falasse nisso até estaria de acordo que há muito a fazer hoje em dia, outra é a proibição de uma criança entrar num recinto se, eventualmente puder vir a produzir um ruído que incomode quem lá está. A afirmação é simplesmente revoltante!

José António disse...

É... diz com demasiado à vontade autênticas bacoradas. Não seria grave se ocupasse menos espaço nas televisões e nos jornais. Parece ter adquirido o estatuto de poder dizer o que lhe apetece. A continuar assim, com o tempo, ficará a falar para as paredes.

Fábula disse...

xi, que desilusão, costumo gostar das intervenções do MST... :(

margarida disse...

De facto há pais e pais.Uns despreocupados, outros igoístas, outros pais galinhas e outros por simplesmente estão-se a borrifar para as crianças o que interessa é o seu belo prazer. Então para que os mandaram vir?
Parabéns pelos artigos escritos no blog e parabéns pelo facto do blog Fábulas ter aparecido no telejornal da SIC quando das noticias da pequena Medelaine (o promenor do olho da menina)

Didas disse...

Por acaso sou das criaturas antipáticas que acha que certas criancinhas, de facto, não deviam ser levadas a sítios públicos enquanto não se soubessem comportar sem chatear toda a gente à volta. Os paizinhos têm tendência para pensar que toda a gente acha a mesma piada que eles aos rebentos, mas não é bem assim, como é óbvio.
De qualquer modo parece-me que a comparação com o tabaco está infeliz.

Anónimo disse...

Um bom artigo. Boa escolha. Realmente foi um comentário muito infeliz.

Anónimo disse...

Sem dúvida alguma que um ambiente de tabaco me incomoda imenso durante a refeição. Acho uma falta de higiene e educação imensa. No entanto, confesso que algumas "traquinices" também não são do meu agrado. Nunca achei muita piada, os Pais estarem à mesa do restaurante enquanto os filhos andam a correr pelo restaurante (com o perigo de causarem algum acidente) ou a fazerem barulho à mesa.
É tudo uma questão de educação e consciência por parte dos adultos. Não acho que um jantar de amigos, ou de um casal num restaurante, seja algo de agradável para uma criança que quer brincar ou simplesmente está com sono e quer dormir.

Enfim...como eu costumo dizer: "não sabemos como é lá em casa".

Anónimo disse...

Esse senhor só tem de bom uma coisa, ser do F.C.Porto, porque de resto é uma GRANDE BESTA, pois se calhar é dos que vai para os restaurantes fumar e deita o fumo para cima dos outros. Mas por falar em crianças, vi o s/blog na televisão, quando do caso da Maddie. O m/filho também meteu um post sobre a Maddie, mas com um apelo para o RUI PEDRO, desaparecido há quase dez anos.
Obrigado.

O Tempo Entre Costuras

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