7 de novembro de 2006

Farta!

Sou professora.
Do 1.º ciclo, o que me torna especial e com um trabalho diferente do dos meus colegas de outros ciclos.

No 1.º ciclo não há furos, não há funcionários sempre disponíveis para nos atender os pedidos (uma percentagem enorme de escolas do 1.º ciclo nem funcionária tem, o que à partida nem sequer devia ser permitido!)...
Trabalhamos sempre 5 horas por dia, todos os dias.

No 1.º ciclo o intervalo não serve para descontrair e tomar qualquer coisa no bar... (não há bar!)
No intervalo apartamos bulhas, atendemos telefonemas e às vezes pais, lemos correspondência, vigiamos o recreio, fazemos curativos em mazelas diversas.
Isto tudo em 30 minutos...
E, se tivermos sorte, conseguimos comer as sandes que trouxemos de casa e beber um "café"!

No 1.º ciclo (nos outros também, mas neste nota-se muito mais), fazemos de mãe, de avó, de psicóloga, de confidente de vidas que nada têm de simples.

No 1.º ciclo somos polivalentes: tanto damos uma aula de música, como de educação física, como as regras da língua e os truques dos números.
Mas temos, além da formação inicial, formação também nessas áreas, que vamos fazendo ao longo da carreira.

Entrei nesta profissão por acaso, apenas para não estar parada e fugir ao bendito "ano propedêutico".
Fiquei e gostei.
E agora não a trocava por nenhuma outra...

Mas...
... estou farta de ser bode expiatório de tudo o que de mal acontece neste país;
... estou farta de ser desrespeitada por uma ministra que põe em último lugar das suas prioridades, os professores;
... estou farta de levar "puxões de orelhas" de gente que nada tem feito a favor das escolas, nem dos alunos, e que nem sequer cumprem as suas obrigações;
... estou farta de tanta burocracia que nos rouba tempo, disposição, motivação, paciência!

FARTA!!

15 comentários:

José António disse...

Saltapocinhas, a ignorância e a falta de coragem, tem levado os políticos a subvalorizar o trabalho com os mais novos. Felizmente hoje é mais claro para todos os professores que trabalhar no 1.º Ciclo é um trabalho mesmo muito difícil. E então com alunos do 1.º ano... Força! Não te deixes ir abaixo.

Boop disse...

Que curioso...
Sabia-te professora mas não te imaginava no 1ºCEB...

;-)

Como é que se explica que é por aí que se começa - tudo! O saber escrever, o gosto por lêr, o aprender a pensar matematicamente...

Haviam de por esses srs que tomam decisões com uma turma de 25 alunos de 7/8 anos 5h/semana... Eu gostava de ver!!!

Anónimo disse...

Este desabafo emocionou-me, é que eu também estou a ficar FARTA. Com toda a solidariedade possivel e se me é permitido, assino por baixo: Paula Maria Silva Santos (professora do 1.º ciclo)

Cláudia Rocha Gonçalves disse...

eu ja fui do tempo em que tudo me passava ao lado. agora ja nao... o suecos suicidam-se por um elevado nivel de vida, por nao haver nada que lhes toque. qq dia seremos nos, pelo motivo oposto!

peciscas disse...

Estou contigo, colega.
Também estou FARTO!
Mas eu, pelo menos, tenho a sorte de estar prestes a poder ir embora.
Mas quem fica, não fica bem...
Mas, também estou convencido de que, mais cedo do que tarde, quando começarem, verdadeiramente, a apareçer os resultados destas medidas imbecis e desumanas, vão ter que recuar em muitas destas coisas.
E já agora: sou professor do 2º ciclo mas acho que vocês, que trabalham no 1º, sois heróis e heroínas que deveriam estar na primeira linha do respeito que a classe docente, em geral, deveria merecer de todos.
E não digo isto com qualquer espécie de hipocrisia ou mesura gratuita. Muito embora saiba que há muitos colegas que, quanto maior é o grau de ensino em que trabalham, com maior desdém encaram os colegas que pensam estaram "abaixo".

Alda Serras disse...

Este ano apercebi-me como os colegas do 1º ciclo estão desamparados, principalmente aqueles que leccionam em escolas pequeninas que nem um funcionário têm.

Eu sou do 2º ciclo e também estou farta!
Farta, farta, farta!

Cristina disse...

Bom dia de S. Martinho
kisses
:)

Anónimo disse...

Estou contigo!
Também sou professora do 1º Ciclo e acompanho o teu blog há uns tempinhos!

mfc disse...

A minha mulher reformou-se o ano passado... ouvia-a a dizer-me isso sempre.
Sei que tens toda a razão.
Toma um beijinho.

Anónimo disse...

Olá!
Também estou "farta"! Partilho os sentimentos que expressas no final do teu texto - sinto-me, também, desrespeitada pela ministra, maltratada por muitos políticos a quem falta o mais elementar bom senso, desvalorizada por grande parte da sociedade que nem de longe, sequer, calcula aquilo que implica, verdadeiramente, ser professor! E, para mim, professor é aquele que partilha a minha carreira, o que se dedica de alma e coração e investe tudo o que é no futuro, independentemente do grau de ensino em que lecciona. Por isso, não posso concordar contigo quando consideras que o lugar que ocupas é especial, sobretudo por causa das razões que apresentas para salientar esse "carácter particular" do teu nível de ensino! Sou professora do Ensino Secundário e no meu horário também não há furos. Também não há funcionários "sempre disponíveis (!!!?!) para atender os meus pedidos" - embora haja funcionários na minha escola, são muito poucos e não chegam, nem de longe, para as necessidades mais básicas de uma escola com 1400 alunos do 7º ao 12º ano! Trabalho, na escola, mais de 5 horas por dia, e os afazeres em casa parece que se multiplicam - comecei a contabilizar, e assustei-me quando vi, numa semana, 52 horas de trabalho dedicado à escola e, na semanas seguinte, 53; no fim de semana passado estive (sexta, sábado e domingo) "reclusa" a corrigir testes - terminei domingo às 23h15m, para poder entregá-los na aula de 10º ano que tinha na segunda às 8h30m da manhã. Consegui! Mostrei aos alunos (que estavam ansiosos por saberem as notas!) o volume de folhas, expliquei-lhes como se faziam as cotações, as grelhas, os cálculos, os critérios... para ver se, pelo menos dentro da sala de aula, haveria alguém que compreendesse o trabalho incalculável que um "maço" de testes dá até aparecer com a classificação registada no cabeçalho. Até fiquei com problemas de consciência por não poder ter estado, como devia, com os meus filhos... E revoltada, porque não está correcto trabalhar para a escola no pouco tempo que deveria ser para nós. Mas, às vezes, é mesmo impossível não o fazer. E temos consciência de que a correcção de testes é de vital importância num nível em que cada centésima conta para o acesso ao Ensino Superior!
Não temos nenhum intervalo de 30 minutos - são todos pequenos (e tornam-se bem menores se tivermos em conta que metade do tempo é ocupado com as deslocações dentro do espaço-escola (56 salas distribuídas por 5 pisos) e que em cada um desses percursos (também) separamos bulhas, chamamos a atenção para "o vocabulário utilizado" a alunos muito maiores que nós (mas, alguns, crescidos só em tamanho!), somos interpelados por alunos, colegas, pais... pelos mais diversos motivos). Às vezes ficamos na sala de aula porque eles querem concluir um trabalho de avaliação, colocar uma dúvida, pedir um conselho... ou simplesmente procurar um pouco de apoio. Há bar, mas muitas vezes não há termpo para tomar o café... nem sequer para ir à casa de banho!
Quanto ao facto de dizeres que no 1º ciclo se nota mais a necessidade de ser mãe, psicóloga... também não posso concordar. Não imaginas a quantidade de alunos que nos passam pelas mãos completamente "desacompanhados", com as dúvidas mais incríveis, falta total de apoio, famílias disfuncionais, carências básicas, necessidade de... tudo! É preciso ter em conta que os problemas de anorexia e as depressões são maiores em faixas etárias mais avançadas. As maiores tendências para o suicídio verificam-se na adolescência, não na infância. Já precisei de acompanhar mais que um aluno em risco neste domínio... nem é bom falar! E não esqueças que a generalidade dos pais (confessado mesmo por eles) tem mais dificuldade em dialogar com os filhos adolescentes do que tinha quando eles eram pequeninos!
Todos os professores do 1º ciclo debetem-se com muitas dificuldades, concordo contigo... mas acho que não imaginas o que é ter, em vez de uma turma de cerca de 20 alunos, várias turmas de anos diferentes, cursos diferentes (nós temos alunos de Prosseguimento de Estudos que querem ir para a Universidade, de Cursos Tecnológicos, de Cursos Profissionais (vocacionados para o mundo do trabalho após o 12º ano) de Educação e Formação (equivalentes ao 9º, mas mais práticos). Já tive, num ano, 8(!) turmas no meu horário - acho que agora não o suportaria - e já tive uma turma (de 12º ano!) com 32 alunos. Aliás, quando se trata do 12º ano, ninguém consegue imaginar o stress, a ansiedade, a pressão a que somos sujeitos durante todo o ano, porque os alunos têm exame nacional, e nada, nada pode falhar em termos de cumprimento do programa! O último ano lectivo ficou marcado, pela minha parte, por ter sido o ano em que mais aulas dei além das que estavam previstas. O Ministério impôs o domínio da Nova Terminologia Linguística, fazendo letra morta de muitos dos conhecimentos de gramática que os alunos tinham adquirido desde o 1º ano, e os professores (que agora são acusados de não colaborarem e de complicarem!!!) multiplicaram-se em estratégias para conseguirem aprender, motivar... e fazer aprender essa terminologia tão contestada! A minha grande compensação surgiu, como é óbvio, quando os meus alunos corresponderam, e obtiveram óptimos resultados - 14 de média no exame nacional, quase três valores acima da média nacional na disciplina! Mas imagina como me sinto revoltada quando as pessoas generalizam e dizem, por exemplo, que os professores se fartam de faltar...
Desculpa tão longa dissertação! Às vezes passam semanas (ou meses!) sem que eu venha fazer-te aqui uma visita, por absoluta falta de tempo! Hoje só quis ralhar um bocadinho, e dizer... que o terceiro ciclo não é assim tão diferente. (Qualquer dia convido a ministra para passar um dia na minha escola (pode ser à segunda, que entro às 8h30m e saio às 17h00, e não consigo parar todo o dia!)e ver, depois, o trabalho que ainda levo para casa!). Mas acabei por me estender na conversa...
Ando muito desmoralizada!
Estou na profissão que escolhi, a fazer aquilo de que gosto, e só mesmo junto dos alunos é que consigo encontrar incentivo, porque sei que valorizam o que faço.
Se assim não fosse... acho que, pela primeira vez, me apeteceria emigrar!
Beijinhos, até qualquer dia
Graça

Anónimo disse...

Desculpa, quando disse "terceiro ciclo", quase no fim do comentário, queria dizer "primeiro".
Bom domingo!

Anónimo disse...

O que a Graça aqui contou, parece o que se passa na minha escola.

A verdade é que, independentemente do grau de ensino, vejo todos os professores a queixarem-se de cansaço.
Fartamo-nos de trabalhar na escola e em casa. Somos educadores, psicólogos, enfermeiros, conselheiros. Temos programas para cumprir com turmas de perto de 30 alunos, que mudam de 90 em 90 minutos. Temos alunos com uma sede imensa de aprender misturados com outros que tudo fazem para terem alguma atenção.
Temos reuniões a torto e a direito porque a lei assim o exige, ou porque há mais algum assunto para tratar, ou apenas porque alguém se lembrou. Temos horas para entrar na escola, mas não temos horas de saída. Entrar na escola às 8.30 da manhã sair de lá às 9 da noite é frequente... e ainda temos o jantar e a família e as aulas do dia seguinte para preparar!
Sofremos um desgaste mental e emocional como ninguém imagina.
Apesar disto tudo, todos os dias chegamos à escola com um sorriso nos lábios...
A recompensa disto tudo? São os nossos alunos.

Leonor disse...

saltapocinhas. como professora do 1º ciclo partilho de tudo a ferver e a espumar de tudo o que disseste á excepçao de uma pequenina coisa.
desde quando trabalhamos, agora com a extensao do horario e tudo, cinco horas por dia?

beijinhos da leonoreta

angelis disse...

Pois é...tudo isso começa muito antes dos ciclos e ninguém olha para a base 1ª da educação, o pré escolar...mas enfim, como não temos curriculo, testes para corrigir, continuamos a ser consideradas "guardadoras de meninos". santa ignorância :(:( Não me queixo, adoro o que faço e sou educadora de infância há quase 25 anos, apenas me sinto desiludida com o rumo da carreira, com o desrespeito pelo ensino e tantas outras coisas. Não consigo (por mais que tente) imaginar-me com 65 anos e a trabalhar com um grupo de 25 crianças, com idades tão pequenas.
Queixas, problemas, existem em qualquer grau de ensino e mais importante que isso, não é tentar saber quem trabalha mais ou quem é mais especial, mas sim unir esforços num só sentido...a dignificação e respeito pela nossa profissão. Somos educadores, professores com muito orgulho e fazemos o nosso trabalho com consciência e damos o nosso melhor todos os dias.

saltapocinhas disse...

Quando referi ser do 1.º ciclo não queria de maneira nenhuma colocar o meu trabalho em superioridade (ou inferioridade) com os outrod ciclos.
Ou até queria, mas era apenas no que se refere às condições de trabalho. Nisso ninguém duvide que somos os mais maltratados de todos os graus de ensino!

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