20 de outubro de 2009

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A propósito de um editorial de António José Seguro, publicado no Jornal i, a minha colega G (esqueci-me de perguntar se podia publicar o nome dela) resolveu responder-lhe.
A resposta, que mereceu ainda outra resposta do referido senhor, é a que passo a transcrever.
De ler e aplaudir de pé!

Sr Seguro:

A minha rua chama-se Agostinho da Silva.
Talvez por isso me tenha doído ver por aqui o seu nome, citado a propósito da escola - onde estou TODOS os dias - e numa citação que pode levar a mal entendidos.
Também dele:
"O oportunismo é, porventura, a mais poderosa de todas as tentações; quem reflectiu sobre um problema e lhe encontrou solução é levado a querer realizá-la, mesmo que para isso se tenha de afastar um pouco de mais rígidas regras de moral; e a gravidade do perigo é tanto maior quanto é certo que se não é movido por um lado inferior do espírito, mas quase sempre pelo amor das grandes ideias, pela generosidade, pelo desejo de um grupo humano mais culto e mais feliz. (...)Seria bom, no entanto, que pensássemos no reduzido valor que têm leis e reformas quando não respondem a uma necessidade íntima, quando não exprimem o que já andava, embora sob a forma de vago desejo, no espírito do povo; a criação do estado de alma aparece-nos assim como bem mais importante do que o articular dos decretos; e essa disposição não a consegue o oportunismo por mais elevadas e limpas que sejam as suas intenções: vincam-na e profundam-na os exemplos de resistência moral, a perfeita recusa de se render ao momento."

Sr Seguro: do alto do pedestal dos seus sonhos, venha até cá abaixo, ver as escolas reais do seu país, aquelas que hoje, pelas leis e reformas consecutivas, não têm nada a ver com esta escola de que fala.
Nestas escolas, a diferença é tratada com indiferença, e os meninos diferentes foram CIFados por uma grelha "bio-psico-social", que exclui o pedagógico, de modo a só 1.8% caberem nos que têm direito a apoio.
Os que estão de fora engavetam-se numas prateleiras desinclusivas chamadas percursos curriculares alternativos, que mais não são do que o escamotear da realidade reduzindo o número de professores e tarefeiras (que ganham 3 euros à hora).
Nestas escolas os professores estão cansados, desconfiados, maltratados, e os projectos e outras coisas afins são vistos como um meio de alcançar melhores notas, com o fito do excelente.
Para o crivo do excelente.
Começo a ver aquilo que até hoje nunca tinha visto: oculta-se e omite-se, põe-se o pé à frente a ver quem tropeça.
E passa-se à frente.

Agostinho da Silva:
"A mesquinhez de uma vida em que os outros não aparecem como colaboradores, mas como inimigos, não pode deixar de produzir toda a surda inveja, toda a vaidade, todo o despeito que se marcam em linhas principais na psicologia dos estudantes submetidos a tal regime; nenhum amor ao que se estuda, nenhum sentimento de constante enriquecer, nenhuma visão mais ampla do mundo; esforço de vencer, temor de ser vencido; é já todo o temperamento de «struggle» que se afina na escola e lançará amanhã sobre a terra mais uma turma dos que tudo se desculpam."

Nestas escolas a educação sexual foi imposta por decreto, o bullying existe todos os dias e dos alunos conflituosos ninguém quer saber dos porquês, porque não há tempo.
E as turmas são cada vez maiores. E Respeito é uma palavra abandonada e ignorada. E todos os alunos e todos os pais saem impunes dos desrespeitos e da falta de civismo.
Nestas escolas os livros são maltratados: os magalhães tomaram o seu lugar e o recreio serve para estar dentro, debaixo dos cabides, a fazer jogos, downloadados ilegalmente, na maioria dos casos.
O inglês é uma mistificação: os professores ganham tão mal, que mal podem, vão para onde lhes dão mais meio euro.
Os alunos conhecem 2, ou 3, ou 4 professores logo no início do ano.
E permanecem sentados depois das 2 horas lectivas seguidas à tarde, depois de um intervalozito às 3 e meia, a jogar magalhães.
E ouvem outra vez, sentados outra vez.
7 horas diárias de aulas para crianças de 6, 7, 8 e 9 anos.
Valha-lhes a Educação Física, quando não chove. Porque se chove é sala outra vez, é arredar mesas e cadeiras, é um cheiro insuportável de meninos mal lavados, sem balneários, que a seguir sentam outra vez, todos suados, para uma aula de inglês ou de música. Nas mesmas salas, nas mesmas cadeiras, no mesmo oxigénio.
Nestas escolas o brincar fenece, e os meninos começam a ter depressões, a ir ao psicólogo; os meninos são mal comportados, os meninos chamam filha da puta à professora.
Quer vir até cá, sr Seguro? Venha ver o que fizeram destas escolas. Mas venha sozinho, não anunciado, não a escolas-modelo. Venha sem comitiva, anónimo, e venha ouvir. E verá que sai do sonho e entra no pesadelo da realidade. Venha ver o que conseguiram fazer destas escolas.
E chore, pelas escolas e pelos meninos do seu país.

Ou prefere continuar a sonhar e a escrever para o i?...

Uma professora que, apesar de tudo, ainda acredita nessa escola de que fala.

4 comentários:

Anónimo disse...

Há momentos em que a minha alma fica lavada!

Carla disse...

Por vezes as respostas são um modo de lavar o que nos vai cá dentro...

bj

entremares disse...

Haja muitas respostas como esta .... a esta e a muitas outras aberrações que nos decretam todos os dias...

Há sempre esperança, quando ainda é possível observar atitudes de revolta exemplar como esta.

Beijos.
Rolando

José António disse...

A realidade é a representação mental da realidade. E os políticos distantes tendem a construir essa imagem da realidade com base em conversas de gabinete. Depois... depois é o que se sabe: não cola!

Não Fujas Mais

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