30 de abril de 2005

Um poema

Delicioso este poema que acabei de "trazer emprestado" do ExImproviso.
Não me é completamente estranho, mas já não me lembrava dele.
A autora é Fernanda de Castro.
Foi escrito em 1941, mas em certos aspectos parece ainda (infelizmente...) tão actual!



...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria...
(eu sabia de cor toda a geografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- Continua. Hás-de ser gente...
Ângulo recto, agudo,cateto, hipotenusa...
(já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a professora sorria
enquanto eu papagueava a geometria)
...D.Sancho, o Povoador...
D.Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1580
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, sim senhor!
A pequena é simpática)
E depois, em voz alta, o senhor Inspector:
- Vamos à gramática.-
...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas
(Eu pensava na alegriaque ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D.Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!
- e esta suavíssima orquestra
acompanhava em surdina
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)
- Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector
felicitou-me,quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.
Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou, julguei-a quase escura...
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais...
E a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)
Pouco depois, em casa, a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à terra, ao céu, ao mar, ao rio:
- O mãe, eu já sei tudo!
No seu olhar tranquilo de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro cada dia:
"- Ó mãe, eu não sei nada!..."

Frase do dia, acabada de receber por e-mail do meu amigo AFlores.

  • « O trabalho fascina-me: às vezes fico parado a olhar para ele sem fazer nada...»

16 comentários:

Anónimo disse...

Não conhecia e fiquei deliciado. A verdade é que sabiamos mesmo tudo na ponta da língua...até as linhas dos nossos caminhos de ferro...estações principais e apeadeiros :):) Mas estamos sempre e continuamos aprendendo. Bom fim de semana:)

Anónimo disse...

Também me lembro dessas atocidades que se faziam de decorar do principio ao fim os rios de Portugal, por onde passavam, onde nasciam e como eram poucos ainda tinha-mos de decorar os do chamado ultramar.As linhas dos caminhos de ferro por onde passavam , quais os apeadeiros e as estações e também como eram poucos lá tinha-mos que decorar as do Ultramar.E assim sucessivamente...mas quando havia engano também havia a chamada "menina de cinco olhos" para nos lembrar.Que tempos tristes.Bom fim de semana. Arte por um canudo 2

M.P. disse...

Já tinha lido no blog da Leonor! Uma autêntica delícia!!! Bom fim de semana!**

Anónimo disse...

Desculpa lá estas trocas e baldrocas de blog!!!Já sabes onde estou,agora certo?! eh eh!!!

Gustavo Monteiro de Almeida disse...

Bem ou mal, uma coisa é certa... hoje ficamos boquiabertos com tanta ignorância por parte dos nossos jovens.

A disciplina é difícil de imprimir, levando à falta de responsabilidade dos filhos, aqueles que serão os homens do futuro, porque os pais culpam os professores enquanto que os professores responsabilizam os pais. Ninguém é culpado de nada…, ou serão todos?

Como irá ser o nosso futuro?

Anónimo disse...

Não conhecia o poema e adorei. Nunca se sabe tudo, mas há quem fique cego pela luz do seu próprio conhecimento. Sábias mães... parabéns :) Beijo grande :)

Dra. Laura Alho disse...

Um poema muito engraçado. Não o conhecia de todo.

Passei para desejar um excelente dia da Mãe, que por acaso coincide com o dia do trabalhador! ;) Beijo grande *

Leonor disse...

Ainda há aquele texto que eu não me lembro do título e que ensinava que não devíamos dizer qualquer coisa sem a analisarmos segundo três princípios, um deles era o da benevolência, os outros... aiiiiii a minha memória...

Anónimo disse...

Um poema fantástico! Adorei lê-lo.

Abraço e Feliz Dia da Mãe ;-)

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Ajudaste-me a lembrar o poema que eu li há MUITO TEMPO e que é na verdade muito interessante. E hoje ainda desperta, como vês, sentimentos diversos... Já reparaste? A diferença entre a escola antiga (o menino decora as linhas de caminho de ferro) e a actual (o menino aprende a ler um horário da CP) é esta: antigamente, o menino parecia que sabia muito, hoje, o menino parece que não sabe nada...

Roberto Iza Valdés disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

E a senhora professora
Quando nos dá um poema
Numa folha encantadora
Aludindo a esse tema.

Improviso foi-se embora
Mas 'inda há quem o adora!

Beijinhos

Dengosa disse...

Muito giro. Cruzei-me com este blog ao procurar um poema dos tempos de escola da minha mãe. Talvez aqui me possam ajudar a recuperar essa relíquia. O nome não sei mas sei os três primeiros versos e sei que descreve os rios de Portugal de norte a sul.

"Rio Minho onde abrigas,
passando o salgueiral,
diz a gente de Galiza
que começa Portugal.

És irmão do rio Lima
na beleza e na memória,
nos solares que aí acima
lembram pedaços de História.

Do Larouco magestoso
sai o Cávado cantando,
correndo furioso
com pressa de ver o mar"

E assim acaba tudo o que sei. Se alguém souber onde posso achar este poema, é só mandar um e-mail.

lidia.silveira@gmail.com

Unknown disse...

Eu tambem gostaria recolher os rios que me faltam, aqui ficam mais alguns que ainda me lembro papara acrescentar aos da lidia silveira: Rio Ave tao mansinho, tuas águas ao passar, lembram aves andorinhas de asas leveiras no ar.
Nos vales fundos e belos, entre vinhedos do Douro, levam os barcos rabelos, uma fortuna um tesouro.
Avelinofer2403@gmail.com

Unknown disse...

Eu tambem gostaria recolher os rios que me faltam, aqui ficam mais alguns que ainda me lembro papara acrescentar aos da lidia silveira: Rio Ave tao mansinho, tuas águas ao passar, lembram aves andorinhas de asas leveiras no ar.
Nos vales fundos e belos, entre vinhedos do Douro, levam os barcos rabelos, uma fortuna um tesouro.
Avelinofer2403@gmail.com

Dengosa disse...

Pela primeira vez alguém acrescentou ao poema! Muito obrigado Avelino Fernandes

Os sete maridos de Evelyn Hugo

Os sete maridos de Evelyn Hugo by Taylor Jenkins Reid My rating: 3 of 5 stars Um livro levezinho, bom para distrair.